Em nossa ignorância conquistamos um título até então inexistente na natureza: o único animal maldoso
"Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, ideias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento.Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição." Voltaire, em "Dicionário Filosófico"
Muitas vezes julgamos "má" determinada atitude d'algum animal. Me pergunto se não somos nós os únicos (ou pelo menos os que muito melhor o fazem) animais que podem fazer um mal?
Porque, se há uma coisa que amesquinhe tanto determinada atitude de algum ser, esta é ter este a capacidade de razoar — que implica praticamente numa obrigação de emitir os mínimos juízos antes de agir — e ainda assim cometer gravíssimos e totalmente desnecessários/evitáveis erros. As vezes me pergunto se não seria mais racional um mundo sem nossa espécie (a resposta me envergonha). Não imagino um cão ou uma raposa cometendo tamanhos absurdos. Chimpanzés e golfinhos usam mais decentemente o que possuem do que nós! Talvez a nossa prepotência, que parece ter nascido com o primeiro homo... sim... a nossa prepotência talvez tenha nos envenenado tanto... Mas de que inferno surgiu tal prepotência? É a prepotência atributo nativo do homem? Pôr o próprio ser, e em segunda instância, a própria espécie no centro das atenções, no objetivo de todas as atuações, não me parece mesmo fora de uma realidade que favoreça este ser e esta espécie, segundo o crivo da seleção. Lutar por manter a si mesmo e a própria espécie é natural. Mas já não passamos desta idade? Malditos nos tornamos quando recebemos a razão, mas preferimos também continuar nos vendo como irracionais e consequência da realidade externa a nós (a natureza), a qual insistimos tanto que não temos controle. Realmente, não temos controle sobre a natureza como, em nosso orgulho, queríamos ter, mas será que não estamos mesmo querendo demais? Será que não nos falta olhar o que somos capazes de fazer, o que somos, com nossa racionalidade, capazes de mudar e de fato, sem rodeios, agir, agir assumindo decentemente a própria responsabilidade enquanto ser racional?
Somos mesquinhos por querermos ser filhotes irracionais, perece que queremos mantermos-nos crianças. Queremos mesmo, por isso agimos desta maneira, por isso somos maus — por que só queremos — não somos tão bons a ponto de sermos, ainda adultos, tão puros e honestos com o que somos e temos quanto às crianças. Já estamos a corromper até as crianças! Qualquer outro ser doutra espécie é mais honesto do que nós, e sabemos disto, mas insistimos e ampliamos a sujeira de nossa ficha mantendo-nos nesta mesma linha de atuação em prol da mesquinhez dos desejos provindos de nossa ignorância, ignorância que hoje, para nos envergonhar mais, já vem sendo praticada 'conscientemente'. Caso não entenda o que seja ignorância 'conscientemente' praticada lembre-se dos casos em que se avisa com fins de prevenção a respeito de algo, mas mesmo assim, tendo ciência do perigo ou do risco, o ser insiste em manter ou iniciar uma determinada pratica ou levar a cabo determinado querer no que, obviamente, na maioria dos casos leva a danos, sejam quais forem. Pior é quando seguem-se as reclamações dos ignorantes 'conscientes'... enfim.
Se ainda resta dúvida sobre o quão "bons" somos no que fazemos, que é o mal à vida e à Terra, medite sobre o tamanho da inteligência que há por trás do que se representa nas fotos a seguir...
Pelo que parece, há um principio de proporcionalidade nisto tudo, e ele é simples: O quão maior é a capacidade mental de uma espécie, maior é a possibilidade desta espécie ser a mais burra e a mais má. Enfim, só nos cabe orgulharmo-nos de sermos tão mentalmente capazes?
Penso que antes de assumir qualquer lisonja própria, temos de assumir toda a responsabilidade do que somos e reconhecer todo o potencial destruidor que temos, para assim delimitarmos toda a nossa área de atuação. Liberdade que não reconhece responsabilidade não é liberdade.
Somos a única espécie realmente má; má pra vida, pro planeta e pra nós mesmos, óbvio. Tendo reconhecido isto, nos cabe, segundo as possibilidades individuais, agir segundo a dignidade que nos é cobrada por nós mesmos por esta faculdade que chamamos razão. Ou será mesmo que não somos cobrados por esta mesma razão, dentro de nós mesmos?
Sobre os outros animais, os mais decentes, e a consideração que merecem de nossa parte pela sua decência, brindo-os com um vídeo expositor da Declaração Universal dos Direitos dos Animais.