Se o desconhecido pode amedrontar, então buscar saber é encorajador |
Bem, tendo feito algumas razoáveis definições iniciais, entremos no cerne da questão: o medo como força mental.
Pequena análise sobre as origens e desvirtuamento do medo
O temor remonta o nascimento de nossa espécie, o medo por muitas ocasiões nos livrou da morte, e sobre a ótica da seleção natural é ainda mais evidente a causa de, nos dias de hoje, praticamente nenhum indivíduo de nossa espécie ser completamente destemido, restando apenas a esta excepcional casta de "corajosos excessivos" somente aqueles que sofrem de um mal em sua estrutura cerebral. Assim ter medo é uma consequência evolutiva. Neste contexto diría-nos Gandhi que "o medo tem alguma utilidade, mas a covardia não". Mas será que, como muitas coisas desta nossa realidade mental, o medo também não teve sua utilidade natural desvirtuada por posteriores oportunistas de nossa espécie? Não é difícil perceber que sim. Percebeu-se o quão fracos estranhamente podemos ser também diante do medo; os pensamentos de medo são capazes de impor grande pressão psicológica, e um ser muito facilmente pode ser levado a agir contra o que realmente faria caso estivesse livre de tal imposição. Imagine-se com um determinado medo, um grande medo, um medo que acobertasse todo seu tempo, um medo que mesmo em seu inconsciente mantê-se sob seu cerceamento os demais pensamentos que circulam em sua mente... Sente o diminuto grau de facilidade de realização de algo que o pudesse libertar deste aprisionamento mental? Consegue, ainda imaginando, perceber o quão difícil é libertar-se neste caso?
De fato, há de se empregar muita energia em tal labor de libertação, muito tempo é o que parece ser necessário, esforço intenso, quando não quase constante, é o que se precisa em tal situação. Tendo realmente procedido com tal reflexão, o elevado grau de dificuldade que pode assumir a libertação em relação ao aprisionamento do medo mostra-se diante de nossos olhos analíticos; então prosseguiremos sobre outra questão: há capacidade natural e igual a todos os seres de se libertarem neste tipo de situação?
Do aprisionado por seus pensamentos de medo
Tentemos-nos colocar na posição de um pobre infeliz cuja vida adulta projetada por uma infância marcada por abusos mentais configurou-se numa solitária e individual agonia, aparentamos, em nossa hipótese, ser feliz, sorrimos para muitos mas nunca a nós mesmos, rimos de muitas situações alheias mas indignamo-nos e decepcionamos-nos ao ver a nossa própria situação. Nossos processos mentais, subjugados pela psiqueálise¹ são em grande parte infecundos, em fim, nossa vida pauta-se em medos fundamentais e deles não passa justamente porque eles a principio não nos permitem isso. Esse medos ameaçam-nos caso arrisquemos superá-los. De fato, neste interessante mas comum exemplo estaríamos sobre a batuta do medo, e dela tenderíamos a nunca mais escapar. O único fator que nos faria transcender tal domínio seria uma atitude mental ativa — o levantamento de questionamentos, por exemplo —, mas de onde tiraríamos elementos para construir nossos primeiros questionamentos se jamais nos foi concedido se quer a oportunidade de duvidar e levar até o fim essa dúvida, atingindo uma conclusão, a conclusão que seja, mesmo que essa seja a de que ainda não há resposta? Ter elementos para construir um sensato questionamento é essencial, mas paradoxalmente deveria ser impossível então formular um primeiro questionamento, o que não é verdade, obviamente. Então de onde surge os primeiros elementos? Do nada?
Na verdade, em nosso exemplo hipotético, o ser ainda em sua tenra idade teve inculcado o medo, entre outros preconceitos de longa data; em especial, nestes casos, o medo vem de ameaças que tão cedo tal sorte de pessoas recebem, o que as impressiona profundamente visto que por condicionamento natural é realidade nossa aceitar passivamente o que os de mais idade nos expõem, do contrário, entregaríamos-nos aos jacarés ou às violentas correntezas de um rio para comprovar a validade da precaução que nos foi dada — por tal, as crianças que tinham grandes problemas em aceitar ou entender prontamente uma precaução de seus responsáveis fizeram-se terminar em nossa espécie —; e não é outra coisa senão esse medo inculcado ainda na infância o que nos priva de atuar segundo a resposta para esta questão referente aos primeiros elementos para os primeiros questionamentos e reflexões. Os nossos primeiros e fundamentais elementos, após serem "capacitados" na baixa infância vêm logo após essa idade da passividade infantil: esses fundamentais elementos não são mais que as dúvidas, livres, (ou inquietações) que inicialmente fundadas na razão (que mesmo ainda não estando tão treinada, é de fato, a razão, que só requer a principio poder agir livremente) permitem ao ser dar seus primeiros passos com considerável acerto, pois está tendo atitude saudavelmente cética. Daí que temos resolvida a questão dos primeiros elementos para as primeiras reflexões.
Mas por que em nossa hipótese, não supera logo o ser seus medos inúteis? Por que lhe carece elementos; e não voltamos ao inicio da questão, senão, abrimos espaço para uma segunda análise: no estado em que está, o ser não tem estímulos para superar-se, carece-lhe elementos para isso; porque parece que este tende a jamais sair de tal ciclo de vida sob a maestria do medo? O que deve ser feito?
Esboço de uma análise causal do aprisionamento pelo medo
Duas questões que se complementam; duas respostas que se complementam:
O ser parece mesmo tender a jamais sair de tal ciclo por que os pensamentos de medo são ativos e têm influencia considerável sobre a vontade do ser e sobre suas decisões. Nosso personagem, como já dissemos, encontra-se aprisionado por seus medos, e por mais que se julgue livre, não será de fato, e isso até ele em determinados instantes percebe, mas sufoca esses fragmentos de consciência, e até isso o faz por medo. O medo é um poderoso agente nas causas de suas movimentações internas, de fato, responde a primeira questão a simples constatação do medo como força mental.
Uma sugestão de atuação frente às ameaças e mistérios
À segunda questão um ensaio de resposta deveria ficar a cargo do temeroso, visto que, obviamente, medos são pessoais, e embora possam agir numa massa, cada ente tem um traço de si mesmo no(s) medo(s) que carrega, traços das próprias vivência. Porém darei meu humilde parecer, sugerindo àquele que teme algo, seja o que for — e incluo-me nesta lista, e acredito também que está longe de ser pequeno o número de seres que incluem-se nela, se não forem todos, claro —, uma atitude de desafiador "inconsequente" (mas sensato, sempre), Bertrand Russell sugeriria-nos "(...) olhar francamente para o mundo", visto que, se determinada pressão proveniente do medo ao menos cheira a ilusória, das duas resultantes possíveis teremos uma: ou em verdade veremos que nosso medo é racionalmente embasado, sendo um medo justificado, e ao menos já saímos ganhando por sanar ao menos o medo de estar errado sobre um medo maior que merece realmente nosso cuidado e atenção, ou de fato constataremos a verdade que desmente tal medo, e neste caso, nos libertaríamos de um grande peso que é este agente sugestionador de nosso campo mental, que é um medo, tendo como uma das primeiras e diretas vantagens, o ganho de um espaço mental ampliado para atuações um pouco mais livres, visto que, do livramento de entes que sugestionam a nossa vontade a atos e situações muitas vezes contrárias ao que realmente queríamos vivenciar aumentam-se as oportunidades de atuação de pensamentos realmente pensados sobre um mais livre e honesto querer do próprio ser, e não de pré-concepções vãs que nos fazem escapar às mãos nosso precioso tempo de atuação, nosso precioso tempo de vida, pré-concepções tais como estes muitos pensamentos de medo, que nesta oportunidade foram foco em nosso esboço de uma pequena análise deste importante assunto.
[1] Neologismo logosófico; aplica-se à paralisação de uma zona mental, afetada por preconceitos dogmáticos. (N.T.: A forma original em espanhol é “psiqueálisis”).
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